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Entrevista com o Conselheiro João Paulo de Resende


Entrevista com João Paulo de Resende*, do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), concedida em julho de 2017.


Quais são os maiores desafios enfrentados pelo Cade atualmente?


Há um desafio evidente relacionado ao hiato entre o nível de recursos disponíveis para o CADE hoje e o nível necessário para o cumprimento de sua missão institucional. O CADE é a única autarquia federal sem uma carreira própria, e o número de servidores é bem inferior ao de países com economias menores. O corte orçamentário não faz qualquer sentido: o CADE arrecada cerca de R$ 30 milhões por ano em taxas para prestar o serviço de avaliação de ACs, mas tem um orçamento de R$ 20 milhões. E olha que não estamos falando dos valores arrecadados em multas e contribuições em processos sancionadores (que de fato não deveriam ficar com o órgão).

Também acredito que uma melhor compreensão por parte do Poder Judiciário sobre como o papel do CADE e sobre como o órgão toma suas decisões ajudaria muito a dar força a essas decisões. O judiciário brasileiro, em geral, não é preparado para avaliar um ato de concentração, e não está familiarizado com conceitos importantes para a reapreciar o mérito de condenações, como danos de um cartel, como é definida uma posição dominante em uma conduta unilateral etc.


Quais são os temas de destaque para uma agenda de pesquisa em Economia que dê conta das necessidades da política de defesa da concorrência?


Em processos administrativos, uma possibilidade é calcular estimativas de danos de cartel. Tem uma discussão crescente aqui no CADE sobre aplicar multas proporcionais ao dano (não necessariamente iguais). Há uma tese de que isso não poderia ser feito caso a caso, pois viraria uma guerra de pareceres e enfraqueceria a execução da decisão no judiciário. Uma solução, a meu ver, seria a academia realizar estudos, com mais tempo e de forma isenta, para subsidiar o CADE na aplicação de multas. Casos em setores com infrações recorrentes, como carteis de postos de combustíveis, podem se beneficiar bastante disso.

Em atos de concentração, nos ajudaria bastante conhecermos melhor características de mercados em que há concentrações recorrentemente. Os mercados bancários e de educação superior são dois bons exemplos. Quase todo ano há alguma operação relevante, mas não temos clareza quanto a algumas questões como: se o mercado relevante seria melhor definido local ou nacionalmente, se as barreiras à entrada são relevantes ou não, se as concentrações têm provocado perda de qualidade dos serviços prestados etc.


O que, na sua visão, falta para uma maior conexão da academia com o Cade para a produção de conhecimento e formação de profissionais na área?


Na área jurídica, há uma forte conexão entre o CADE e o centro de direito da concorrência da Faculdade de Direito da USP. Vários livros são publicados e até citados em decisões. Na economia, acredito que falta uma maior preocupação do CADE com os aspectos econômicos das decisões. Se questões econômicas fossem levadas em consideração de forma mais efetiva, um mercado floresceria e mais profissionais decidiriam enveredar sua formação e pesquisa para analisar problemas concorrenciais.

Outro ponto é o acesso à informação. O CADE tem que encontrar meios de facilitar a disponibilização de decisões e de seus fundamentos, principalmente se já decorridos um certo prazo, para que a academia possa se debruçar sobre os dados e produzir inteligência para futuras decisões. Caso contrário, o conhecimento se perde dentro de um sistema hermético ou na cabeça de pessoas que passaram pelo órgão, inviabilizando o aprimoramento das decisões.


*João Paulo de Resende é Conselheiro do Conselho Administrativo de Defesa Econômica.


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